Na cidade de Cartélaga existe uma praça antiga e má
Há uma Igreja em um dos cantos, que sempre esteve lá
Foi construída há milhares de anos antes de qualquer um nascer
Sua glória monumental persiste, mesmo se o tempo perecer
Hoje cinza e desgastada, mantém-se inabalada
Indicando que a força ainda existe, não será ignorada
No campanário reside um gárgula, está lá em cima há muitos anos
Ele calcula e observa:
- Porque riem, por que choram os humanos?
Ele nunca encontrou respostas, os dias continuaram a passar
E ele assiste o mundo abaixo, com seus olhos de pedra sem piscar
E assim, através de seu olhar petrificado, ele presenciou inúmeros ciclos de alegrias e também de tristezas, de lutas e glória, de matanças e derrotas. Em uma noite de dezembro, sombria e nebulosa, bem próxima ao dia do Sol Invictus, ele analisa algo que já se tornou corriqueiro nesta época do ano. Os humanos decoram suas portas com guirlandas coloridas, acendem velas e cantam canções festivas. Ou então cânticos antigos, carregados de pesar e tristeza. Preparam oferendas, penduram meia à beira das lareiras e rezam muito mais do que sempre.
A tensão é tangível, até para o coração de pedra do gárgula. Os pais parecem segurar suas respirações, as crianças a cada dia mais assustadas. A noite do julgamento aproxima-se e nada impedirá que suas almas sejam testadas.
Através da neblina, no dia antecipado, toma forma em pleno ar um rosto mutilado e perturbado, com olhos injetados de sangue no topo de um corpo negro e peludo. Chifres gigantes se enrolam em sua cabeça, exibindo sua forma metade bode, metade demônio. Derretendo a neve sob seus cascos incandescentes ele marcha até o centro da praça.
- Se você se comportou, não há nada que ele possa fazer.
Pensa o gárgula em sua cabeça dura.
Mas ele sabe, há muito o que temer. Principalmente se você for um humano. Que peca o ano todo e tenta compensar com um pires de leite azedo e um pedaço enxovalhado de pão de alho no fim do ano.
A plenos pulmões a besta brada:
Em todo o livro de história
Está escrito como é feito
Se você quer mudar o mundo
Comece com os pequenos
E ele continua:
Não há ínfima alma que eu não possa distinguir
Eu traço a linha, você escolhe qual caminho seguir
Eu sou a resposta que você procura
O sonho das suas noites mais escuras
Eu tenho o dom não vou falhar
Nenhum deslize me escapará
Quem não vier agora não será poupado
Sua melhor chance é a de ser julgado
Evite uma morte desonrosa e lenta
Abra sua alma e o seu coração e evite a eterna tormenta
E assim a noite seguiu, com terror e morte ou com alívio e esperança. E cada adulto que morria por seus pecados mais vis, deixava o recado para cada criança. De escolher bem o seu lado ou arcar com a certeira vingança.
Conto Cartélico inspirados na lenda de Krampus e no disco Dead Winter Dead da banda Savatage
Escrito por Igor Assunção em dezembro de 2020